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Solteirx até quando?

  • Foto do escritor: Sessão de Psi
    Sessão de Psi
  • 6 de nov.
  • 3 min de leitura

A etimologia da palavra “solteiro” vem do latim “solitarius”, que significa aquele que vive só, isolado e sem companhia. Apesar do sentido civil/jurídico demarcar que solteiro é quem não é casado, viúvo ou divorciado, o sentido social e afetivo do termo destaca camadas bem mais subjetivas, históricas e complexas. Parece que a etimologia do termo mantêm viva ainda hoje uma noção de que estar solteiro é desfavorável, indesejado ou um sinal de fracasso pessoal. Bem, não vou aqui fazer uma revisão histórica do assunto, mas indico essa viagem. Também não há como iniciar a prosa sem destacar que a dimensão de gênero articula-se profundamente ao assunto, assim como outras intersecções importantes (raça, classe, etarismo…). 


Meu interesse nesse tema circula em torno da produção de sofrimento psíquico advindo da organização simbólica que localiza os sujeitos solterxs em uma posição de “espera”, num tempo-espaço do “entre”. É como se a leitura social inserisse tais pessoas em um “aeroporto-afetivo”: elas chegaram de algum lugar, com suas bagagens de traumas e depois, com sorte, vão embarcar para outro: 


“Calma, seu próximo amor-destino vai chegar! 
Não tem como despachar meus traumas? 
Excesso de bagagem, seu voo foi cancelado novamente!  
Previsão de voo com turbulência com vagas disponíveis!”

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O filme “The Lobster, 2015”, dirigido por Yorgos Lanthimos, é muito interessante para ilustrar como a sociedade regula e disciplina os corpos em uma divisão entre solteirxs e casais. Qualquer semelhança com o “casamento às cegas” não é mera coincidência. No contexto utópico desse filme as pessoas sem par são enviadas a um hotel onde têm um prazo limite para encontrar uma parceria, caso isso não aconteça são transformadas em um animal. Mas, onde tem opressão sempre há resistência. Recomendo! 


Discutir o campo das relações amorosas no contemporâneo é algo complexo e vasto. Na contramão desse discurso que desvaloriza os solteiros encontramos também uma certa romantização desse “status”: pessoas independentes, livres, autossuficientes e que não precisam do outro para ser feliz. Esse discurso também é problemático e sintoma de uma geração cada vez mais individualista, em que o outro pode ser facilmente objetificado. 


Se retomarmos a etimologia da palavra “solteiro”, que se articula com a ideia de estar isolado e sozinho, é possível localizar uma crença de que estar uma relação amorosa (legitimada dentro dos moldes normativos) é um lacre de garantia contra a solidão. Bem, sabemos muito bem que não. Entretanto, se tomarmos as pessoas que ao ficarem solteiras se deparam sentindo-se sozinhas isso não é uma característica inerente à solteirice. O que estou tentando levantar aqui é que estar em um relacionamento afetivo-sexual de modo normativo e centralizado pode ser um fator que contribuí para produzir empobrecimento de outros vínculos afetivos – consciente ou inconscientemente. Ou seja, ficar solteiro e sentir-se empobrecido de laços afetivos, nesse sentido, só revela o que já estava em vigor. Estar solteiro não produz por si só solidão ou isolamento, mas o social em torno disso pode nos gerar essa impressão. Pode ser que eu esteja chovendo no molhado, mas me parece que dividir o mundo só entre “solteirxs” e “casais” nos causa inúmeras ocultações simbólicas que nos desviam de olhar por outros cantos. As relações afetivas (sexuais ou não) exigem disposição, cuidado e investimento. Pode até parecer mais fácil direcionar muito tempo da sua vida para um único tipo de relação elegível como a mais importante, mas talvez não sem consequências. 


Por Maria Caroline Ofsiany

06.145073

 
 
 

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Elaborado por Sessão de Psi 2023

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