Quando a poesia toca o que não se fala: a poesia de Ryane Leão, Rupi Kaur e o que a palavra carrega
- Sessão de Psi
- 18 de jun.
- 2 min de leitura
Duas autoras vêm ganhando espaço nas estantes e nas redes sociais com uma poesia que não alivia: Jamais Peço Desculpas por Me Derramar, de Ryane Leão, e Outros Jeitos de Usar a Boca, de Rupi Kaur. As duas falam de dor, amor, silêncio, raiva e desejo com uma linguagem direta, quase como se estivessem escrevendo bilhetes para si mesmas — ou para quem precisa escutar o que nunca foi dito.
Pra começar:

Ryane Leão, brasileira, escreve poemas curtos e afiados que falam de ser mulher, preta, lésbica, periférica — e de não pedir mais desculpas por ocupar espaço, sentir demais ou querer o que sempre disseram que ela não podia querer.

Rupi Kaur, nascida na Índia e criada no Canadá, mistura texto e ilustrações simples para falar de relacionamentos, violência, sexualidade e cura. Seus poemas também vêm de um lugar pessoal, mas se conectam com muitas experiências comuns — especialmente entre mulheres.
O que elas dizem — e o que não dizem
Ler essas autoras é um pouco como estar numa sessão de escuta profunda: elas não estão apenas falando de si, estão tentando colocar em palavras o que muita gente sente, mas não sabe como dizer. E é aí que entra uma chave importante da psicanálise: nem tudo que sentimos cabe direitinho nas palavras. Mas, mesmo assim, seguimos tentando dizer.
Ryane e Rupi escrevem a partir dessas brechas. Falam daquilo que incomoda, que machuca, que ficou atravessado na garganta. E o modo como fazem isso mostra que escrever não é só um alívio — é também uma forma de se posicionar no mundo, de tomar a palavra quando tantas vezes foram ensinadas a ficar caladas.
Escrever como quem se escuta
A psicanálise, especialmente na linha de Lacan, aposta na linguagem como forma de dar forma ao que somos — mesmo que essa forma nunca fique completa. Ninguém consegue dizer tudo sobre si. Sempre sobra alguma coisa. E é desse “resto” que essas autoras partem: elas não tentam explicar tudo, mas deixam claro que há algo que insiste, que retorna, que pede atenção.
Não se trata de fazer da poesia uma catarse emocional ou um discurso pronto sobre superação. Ryane e Rupi escrevem porque precisam, porque têm algo a dizer — mas também porque certas coisas só se sustentam quando são compartilhadas com os outros. Há algo de público no que é íntimo.
Por que isso importa?
Esses livros são especialmente interessantes para quem trabalha com a escuta — psicólogos, psicanalistas, terapeutas — porque mostram como o sofrimento aparece nas entrelinhas, nos silêncios, nas escolhas de palavra. E mais: mostram como falar de si não significa necessariamente explicar tudo, mas construir sentido, mesmo em pedaços.
No fundo, essas poesias são tentativas de lidar com o que sobra da experiência. E isso é exatamente o que também aparece na clínica: pessoas tentando dizer algo sobre o que vivem, mesmo que nem sempre saibam por onde começar.
Se você quer entender mais sobre o sujeito hoje — especialmente em relação a corpo, afeto e identidade — Ryane Leão e Rupi Kaur são duas leituras valiosas. Não porque oferecem respostas, mas porque mostram o valor de uma pergunta bem colocada.
Por Sessão de Psi
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