Formas abusivas de se relacionar, algumas reflexões e contribuições
- Sessão de Psi
- 6 de mai.
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Relacionamentos abusivos são, muitas vezes, descritos como compostos por ciclos de violência que se repetem (NORONHA; DOURADO, 2012). Fases de tensão, agressão e conflito, são seguidas por fases de desculpas e reconciliação, repletas de juras de amor e promessas de mudança e melhora. Enquanto a reconciliação é denominada “lua de mel”, os conflitos ocorrem de maneira crescente, com um aumento da tensão, podendo gerar consequências cada vez mais graves e fatais. Contudo, não é evidente se o ciclo engloba apenas a violência física ou também os demais tipos de violência (eg.: moral, patrimonial, psicológica e sexual).O entendimento do termo “relacionamento abusivo” pode se dar a partir do desmembramento de suas partes.
Relacionamento é compreendido a partir do “ato de se relacionar”, ou seja, de criar vínculos e ligações, enquanto o verbo abusar é caracterizado por atitudes de “valer-se ou aproveitar-se” a partir de práticas que “causam ou podem causar dano” (FERREIRA, 2009). Deste modo, o relacionamento abusivo seria aquele pautado em uma relação que causa prejuízos a um ou a ambos os sujeitos a partir da existência de um vínculo entre eles.
É importante relembrar que um relacionamento abusivo não ocorre somente entre
casais (também pode acontecer na própria família, nas amizades e no trabalho), que
independe da orientação sexual dos parceiros e que uma mulher também pode ser abusiva
sobre um homem. No entanto o foco desta pesquisa é o abuso psicológico do homem sobre a mulher em um relacionamento amoroso heterossexual.
O relacionamento abusivo se baseia em uma forma de manipulação cíclica que, na
maioria dos casos, culmina em agressão, porém não é necessário que haja violência física
para ser abusivo. Existem vários tipos de abusos que podem ocorrer e frequentemente dois
ou mais deles acontecem em uma mesma relação. O estar em um relacionamento abusivo também pode estar associado à dependência emocional, financeira, etc. Dessa forma, deve-se observar que os relacionamentos abusivos também não se restringem apenas a uma relação amorosa conjugal, mas, também pode estar associada à dinâmica familiar a qual o sujeito pertence, podendo reproduzir ou não nas suas relações interpessoais.
O contexto abusivo das relações dentro de relacionamentos abusivos apesar de ganhar uma maior evidência devido as constantes situações de violência contra a mulher e o crescimento de crimes como o feminicídio e outros. Pode ser observado nas mais variadas estruturas de relações afetivas sem excluir possibilidades de observação em especial quando se trata da exaltação do amor romântico diante de uma lógica de sociedade que naturaliza situações de controle disfarçadas de cuidado e proteção destacando o ciúme e a forma de tratar o outro como propriedade privada (BARRETO, 2018). Em casos de relacionamentos afetivos as relações abusivas também se encontram associadas a processos de busca pelo parceiro ou parceira ideal que possa fazer com que a relação funcione em especial quando na estrutura de sociedade o amor romântico na maioria dos casos é colocado à frente de uma relação saudável o que contribui para o aprisionamento das subjetividades (GOMES; FERNANDES, 2018). Por outro lado, vale destacar que essas relações abusivas também acontecem independente do gênero, como, por exemplo, homens que apesar de não serem os provedores do lar exercem um lugar de poder e a partir disso colocarem a pessoa que está na relação em uma posição subalterna de submissão.
A violência psicológica na relação afetiva é considerada a partir da temática “relacionamento abusivo”, no que diz respeito a sua percepção, modalidades e resposta a ela, considerando que esta é uma modalidade de violência que é invisível, naturalizado e que pode produzir graves consequências para a vítima. Qualquer tipo de violência - física, sexual, econômica ou por negligência ou abandono envolve a violência psicológica que é o denominador comum, ou seja, está presente em cada uma delas. Além disso, a violência psicológica pode levar a outras formas de violência. O abuso psicológico inclui comportamentos que prejudicam a autoestima, o senso de controle e a segurança da relação amorosa. Apesar das discrepâncias levantadas na forma de nomear a violência psicológica, há uma série de elementos que se repetem em diferentes investigações, como insultos, ameaças, ciúmes, isolamento, atos simbólicos de violência, comportamentos de dominação, rejeição e humilhação. A violência psicológica, uma forma grave de agressão emocional, é muitas vezes mais prejudicial do que a violência física.
O abuso psicológico inclui comportamentos que prejudicam a autoestima, o senso de controle e a segurança da relação amorosa. Apesar das discrepâncias levantadas na forma de nomear a violência psicológica, há uma série de elementos que se repetem em diferentes investigações, como insultos, ameaças, ciúmes, isolamento, atos simbólicos de violência, comportamentos de dominação, rejeição e humilhação. Essa forma de violência engloba ações como ameaças, rejeição, humilhação, manipulação e perseguição constante. Define-se o abuso psicológico como qualquer ação destinada a controlar, restringir movimentos ou monitorar a outra pessoa; isolá-la socialmente, desvalorizá la, humilhá-la ou fazê-la sentir-se mal consigo mesma, fazer com que os outros se voltem contra ela, acusá-la falsamente ou culpá-la por circunstâncias negativas, forçá-la a ir contra a lei ou seus princípios morais e/ou religiosos crenças, destroem a confiança em si mesmo ou no parceiro.
Um termo chave nesse contexto é o gaslighting, que se refere a um tipo de abuso psicológico em que o agressor distorce informações para beneficiar a si mesmo, levando a vítima a questionar sua própria sanidade. Isso ocorre em relacionamentos amorosos, profissionais e amigáveis, fundamentados em desigualdades de gênero (SILVA; COELHO; CAPONI)O gaslighting, tipo de violência psicológica frequente em relacionamentos abusivos e dificilmente reconhecida, ocorre quando o agressor utiliza de ofensas, humilhações, ameaças, etc. para comunicar a vítima de que suas percepções, pensamentos e sentimentos estão incorretos ou inadequados. Tal prática é uma maneira de fazer com que a vítima questione sua sanidade mental, desacredite de si mesma, perca o senso de percepção, autoconfiança e identidade. As informações e queixas de gaslighting, via de regra,são fundamentadas em inverdades ou verdades desmedidas (Miller, 1999). Sendo uma violência de difícil constatação,por não conseguir compreendê-la, a vítima sofre em silêncio, transformando o sofrimento em diversos outros problemas mais graves, como depressão, fraqueza, baixa autoestima e insegurança, podendo levar até mesmo ao feminicídio. Isto posto, percebeu-se a relevância de trazer à tona a discussão sobre a invisibilidade da violência psicológica, bem como de suas consequências psíquicas.
A violência psicológica e moral, não deixa marcas visíveis no corpo, porém as cicatrizes emocionais são carregadas para o resto da vida. A pessoa também sofre violência psicológica e emocional quando: é ofendida moralmente e sua família; é ameaçada de ficar sem os filhos; é acusada de ter amante; é impedida de trabalhar, estudar, ter amizades ou sair; não recebe carinho; é rejeitada pelo seu corpo; é ameaçada de espancamento. Isto é, podemos descrevê-la como qualquer conduta que busque diminuir, manipular,controlar, humilhar, chantagear e quaisquer outros atos que visem causar danos emocionais à vítima.
O love bombing em sua tradução ‘bombardeio de amor’, é é utilizado para descrever uma estratégia nociva onde o indivíduo demonstra carinho, afeto e admiração excessivos pela vítima no início de um relacionamento, com o objetivo de estabelecer confiança. Isso pode levar à cegueira em relação às falhas do indivíduo tóxico, colocando a pessoa na obrigação de retribuir o afeto recebido, gerando dependência emocional. Geralmente, o love bombing termina quando a pessoa não é mais uma novidade, ou quando sentem que ela está completamente envolvida. A partir daí, o afeto pode começar a ser controlado e circunstancial, e a vítima se encontra tentando atender às demandas do indivíduo para tentar recuperar aquele nível inicial de amor e carinho, mas nunca o consegue completamente. Isso a torna vulnerável a outras táticas de manipulação. (Brenner, 2017; Galanti, 1993; Hassan, 2018; Pretorius, 2013; Singer & Lalich, 2003).
O mansplaining, um tipo de abuso sutil, machista e naturalizado na sociedade vem da junção das palavras em inglês man (homem) e explaining (explicar), e o objetivo dessa dinâmica é diminuir o conhecimento de uma mulher, invalidando seus argumentos. É comum que esse tipo de agressão inclua falas dirigidas às mulheres relacionadas a “ensinar” ou “esclarecer” algum tema, com o intuito de esvair a confiança, autoridade e respeito de uma mulher em relação ao assunto ou conhecimento, colocando-a como infantilizada e menos capaz intelectualmente do que um homem. Essa prática também é usada por agressores, muitas vezes próximos à vítima, para convencê-la de que está errada ou teve uma interpretação equivocada dos fatos, quando, na verdade, ela está correta em relação à realidade, experiência e ao discurso (Kosak et al., 2018)
Pessoas emocionalmente abusivas usam chantagem emocional. Alguns exemplos incluem manipulação e controle, fazendo a vítima se sentir culpada, humilhando em público ou no privado, e a vítima pode passa justificar o comportamento abusivo do companheiro se culpando das atitudes agressivas que sofre (GUARESCHI; FACCO ROCHA, 2016). Usando os medos, valores, compaixão ou outras situações íntimas para controlar a situação. Seja no exagero das falhas individuais ou apontá-las para desviar a atenção, ou, evitar assumir a responsabilidade por suas más escolhas ou erros. Negar que um evento ocorreu ou mentir sobre ele, punindo a vítima seja retendo afeto ou dando-lhe o tratamento do silêncio (GUARESCHI; ROCHA, 2016). Quando o abuso emocional é grave e contínuo, a vítima pode perder todo o seu senso de identidade, às vezes sem uma única marca ou hematoma. Em vez disso, as feridas são invisíveis para os outros, escondidas na dúvida, inutilidade e auto aversão que a vítima sente. De fato, pesquisas indicam que as consequências do abuso emocional são tão graves quanto as do abuso físico. Com o tempo, as acusações, abuso verbal, xingamentos, críticas e desgastam tanto o senso de identidade da vítima que ela não consegue mais se ver de forma realista. Consequentemente, a vítima pode começar a concordar com o agressor e tornar-se internamente crítica. Quando isso acontece, a maioria das vítimas ficam presas no relacionamento abusivo, acreditando que nunca será boa o suficiente para mais ninguém perdendo a confiança em si mesma e assim ocasionando a baixa autoestima (AGUIAR; et al, 2019). 23 O abuso emocional pode até impactar as amizades porque as consequências as pessoas que sofrem o abuso emocional, geralmente não se dão conta do que estão sofrendo. Eventualmente, as vítimas vão se afastar das amizades e se isolar, convencidas de que ninguém gosta delas. Além disso, o abuso emocional pode causar vários problemas de saúde, incluindo depressão e ansiedade (LEÃO; et al, 2017).
A violência sexual é o tipo de violência que obriga a pessoa a manter contatos sexuais, físicos ou até a participação em outras relações sexuais com o uso da força, coerção, suborno, ameaça ou qualquer outro meio que venha a omitir a vontade pessoal. É um meio de forçar a pessoa a praticar atos que lhe desagradam e não se restringe apenas ao ato sexual, porém sofre influência ou acontece conjuntamente a outras formas de violências como: fazer sexo com outras pessoas, olhar pornografia, entre outros fatores que levam o agressor a não medir seus atos, provocando um desconforto e desgosto à vítima que está submetida a tal tortura. Segundo Gomes (2013) violência sexual também se configura quando o ofensor obrigar a vítima a ter relações que cause desconforto ou repulsa, sob coação, intimidação e pelo uso da força física, no caso do estupro conjugal. A violência sexual não ocorre isoladamente, devido ao fato de que uma vez que comete a agressão, o agressor, no intuito de coagir e intimidar sua vítima, acaba praticando outros tipos de violência entre os quais estão a física e psicológica, muitas vezes praticadas pela submissão instaurada culturalmente na sociedade.
A violência patrimonial é qualquer conduta que configure na retenção, subtração, destruição parcial ou total, de seus objetos, podendo ser eles instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens diversos, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as suas necessidades. Esta forma de violência raramente se apresenta separada das demais, servindo quase como meio para agredir física ou psicologicamente a vítima.
O relacionamento abusivo é destacado dentro destas violências, sendo que independe de gênero, ou seja, ele ocorre tanto em casais heteroafetivos quanto homoafetivos e caracteriza-se, num primeiro momento, pela construção da tensão que se dá através da agressão verbal e/ou psicológica como gritos, xingamentos, ameaças, chantagens, constrangimentos, até eclodir para uma segunda fase que seria a violência física e/ou sexual (ALBERTIM; MARTINS, 2018).Esta pode apresentar-se em forma de espancamentos, murros, chutes, forçar o outro a uma relação sexual, que por sua vez é considerada de curta duração, visto que, o agressor entrará para a terceira fase que é quando instala-se o arrependimento. Durante esta fase, denominada “lua de mel”, o agressor arrepende-se de todo o mal cometido, sente remorso, culpa e medo de perder a companheira, que por sua vez, acaba o perdoando e, formando assim, o ciclo do relacionamento abusivo. O agressor frequentemente têm “estratégias” para mobilização psicológica e emocional da vítima, de forma dissimulada e manipuladora o agressor tenta inferiorizar a pessoa tornando-a dependente e com sentimentos de culpa. Em consequência dessa romantização do relacionamento abusivo, a vítima acaba entrando no jogo do agressor acreditando que foi ela a culpada pela violência sofrida, acredita no arrependimento do mesmo e o perdoa (GOMES, 2018).
Em um cenário social marcado pela violência em seus diferentes contextos, as mulheres vem necessitando de formas de proteção, as quais são amparadas por dispositivos legais destinados a proteger e garantir os direitos e a integridade das pessoas envolvidas. A Lei Maria da Penha, a qual estabelece os tipos de violência contra o público feminino, além de estipular a punição adequada, para prevenir ou até mesmo cessar com os atos da agressão. Vale ressaltar que esta lei, estabelece os tipos de violência, dentre elas: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Neste estudo, foi enfatizado o artigo 7º da Lei Maria da Penha nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que aborda a temática da violência psicológica.
A indiscriminação desse tipo de violência vem enfatizando o número alarmante de casos de agressão contra a mulher. De acordo com o Ministério da Saúde (2020), o maior índice de VPI (violência por parceiro íntimo) se dá dentro da própria casa e acontece também em maior número de homens contra mulheres. O fenômeno da violência, segundo dados da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, ocorre em diferentes classes sociais, graus de instrução, idades, regiões geográficas, estados civis e orientações sexuais. Ele acontece no mundo inteiro e atinge mulheres que estão submetidas ao domínio do parceiro, seja na violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral.
Naquilo que mais afeta o estudo, cabe lançar um olhar mais atento à forma de violência em análise, que vem a ser tipificada da seguinte forma no artigo 7º da Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 7 de agosto de 2006:
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
De acordo com a Lei Maria da Penha, no que diz a respeito à violência psicológica, verifica-se que é qualquer ação que cause dano emocional à mulher e diminuição da autoestima, ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Nota-se, então, a importância de dar visibilidade a essa violência, tendo em vista que é silenciosa, porém causadora de sequelas no psicológico da vítima. A mulher vítima de violência psicológica pode desenvolver distúrbios psicológicos, insônia, pesadelos, falta de concentração, irritabilidade, falta de apetite. Além disso, relata-se o aparecimento de sérios problemas mentais. como depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse pós-traumático, bem comocomportamentos autodestrutivos, a partir do uso de álcool e drogas, podendo levar ao suicídio Queiroz (2017) apud. Kashani et al. (1998). Ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, chantagem e exploração também representam prejuízo à saúde psicológica (Lei nº 11.340, 2006). Ademais, a relação violenta diminui a qualidade de vida da mulher, sua capacidade produtiva, seu trabalho, sua educação e autoestima (Rede Nacional, 2002).
Percebe-se então que os prejuízos emocionais advindos da violência, comprometem habilidades e até mesmo a capacidade de cumprir as tarefas do dia a dia e de ter a perspectiva de uma vida melhor. Pode-se dizer também, conforme Carvalho (2010), que as vítimas de violência, em sua relação conjugal, compreendem sua identidade de forma alterada; ou seja, no tocante à personalidade, ocorrem alterações comportamentais, ficando mais desconfiadas, ansiosas e emocionalmente dependentes do seu parceiro. Além de manifestar alterações também nas vias cognitivas, o que causa sua instabilidade emocional.
Posto isso, pode-se ainda dizer que baixa autoestima, falta de vigor para continuar lutando, medo exacerbado da retaliação do seu parceiro, depressão, estresse pós traumático e, muitas vezes, até o suicídio, devido à falta de perspectivade vida, são consequências da relação abusiva. A violência psicológica, por ser mais sutil e insidiosa, é muitas vezes difícil de identificar e ainda mais desafiadora de enfrentar. Diante dessa realidade, a mulher muitas vezes se vê forçada a reprimir não apenas seus sentimentos, mas também sua própria vontade. Com isso, ela passa a desenvolver uma autopercepção de incapacidade e inutilidade pela perda da valorização de si mesma e do amor próprio (Miller, 1999).
As relações que estabelecemos, seja na esfera familiar, no ambiente de trabalho ou no círculo de amizades, desempenham um papel crucial na formação da nossa identidade, na
maneira como interagimos uns com os outros, no nosso crescimento pessoal e até mesmo na capacidade de explorar novas vivências. Por isso, compreender o que caracteriza uma relação saudável é essencial, especialmente quando se trata de um relacionamento íntimo com um parceiro.
De acordo com Matos, Carneiro e Jablonski, (2005), em um relacionamento entre parceiros íntimos, para que a relação ocorra de forma saudável, é essencial que se tenha amor. Além disso, é importante que envolva igualdade, companheirismo e sexo. Entende-se então que o ser humano possui o desejo e a necessidade de se relacionar com outras pessoas para se sentir amado, criar afetos e ter a sensação de pertencer a uma relação afetiva. No que diz respeito à necessidade de possuir afetos, adentramos na questão da busca por pertencimento e realização, através da qual muitas mulheres estabelecem vínculos afetivos na perspectiva de sentirem-se reconhecidas e valorizadas pelo outro, bem como de constituir um lar e ocupar um lugar na sociedade. No entanto, nem sempre esses vínculos são satisfatórios e bem-sucedidos, pois as mulheres acabam se envolvendo em relacionamentos que não suprem suas necessidades, mas que as subjugam e, na expectativa e no desejo de manter os vínculos afetivos, acabam se submetendo a relações amorosas que afetam sua qualidade de vida.
Quando o relacionamento não ocorre dentro do esperado, de forma saudável, identifica-se o relacionamento abusivo, que é mencionado por Pessoa (2019) como um relacionamento afetivo amoroso onde o parceiro tem o desejo de abusar e controlar, ou seja, ter o poder sobre o outro e ainda constranger ou coagir, a fim de que a vítima viva em função de satisfazer as necessidades do parceiro. Dito isso, quando não se encontra no relacionamento respeito, cumplicidade e livre arbítrio, entre outras formas afetivas saudáveis de se relacionar, pode-se dizer que se trata de uma relação abusiva. Dessa maneira, as atitudes exageradas, como controlar as amizades, as vestimentas, manifestar ciúmes, monitorar seus afazeres e redes sociais, e várias outras condutas que levam o abusador a ter controle sobre a vítima,pertencem a uma relação abusiva, ou seja, aquela na qual a mulher se vê sob controle e faz as vontades de seu parceiro, o que leva também ao desgaste emocional.
De uma forma geral, a vítima, na maioria das vezes, não percebe que está em uma relação abusiva pelo fato de não ter, em um certo momento, marcas físicas, pois o agressor age de forma sutil, o que pode ser confundido como uma forma de carinho e cuidado; quando, na verdade, a vítima está emocionalmente dependente do seu companheiro e então, é iniciada a evolução do ciclo da relação abusiva.
Ciclo da relação abusiva: As agressões praticadas em um relacionamento conjugal ocorrem em um ciclo que é constantemente repetido. Caracteriza o ciclo em três fases: ciclo de tensão, ciclo de ataque violento e ciclo do arrependimento, também conhecido como lua de mel. Na primeira fase, o agressor tende a aumentar a tensão do relacionamento ao gerar conflitos sobre a educação dos filhos, a forma em que a mulher gasta o próprio dinheiro e outros comportamentos que não lhe agradam. No ciclo de ataque violento, por mais que a mulher tente diminuir os conflitos, as agressões com palavras e as ameaças aumentam, o que gera mais raiva por parte do agressor e a intensificação dos ataques, criando na mulher uma sensação de perigo e de não saber mais o que fazer para agradar o seu parceiro.
Quando o agressor percebe que a vítima está sem autoestima e desamparada, ele parte para a terceira fase do ciclo, a do arrependimento. Neste ciclo, o agressor pede desculpas à mulher, não pelo fato de se arrepender, mas por medo de perdê-la, pois é ela quem nutre o seu ego e mesmo ao pedir perdão, a responsabiliza pelas atitudes de descontrole dele. Dessa forma, a mulher que já está fragilizada, cria esperança e acredita nas promessas de mudanças. Então, logo depois, a tensão retorna, o que leva novamente ao início do ciclo. (Lucena, et al., 2016). Pode-se perceber que há uma constante pressão emocional, pois cria-se uma tensão a fim de gerar na mulher um desgaste psicológico e, para que os conflitos possam diminuir, ela se comporta de maneira a agradar o agressor e tentar diminuir os conflitos. Como as agressões ficam mais intensas, a mulher pode entrar em um estado devastador em relação ao seu psicológico; é o momento em que perde a autoestima, a autoconfiança e até mesmo o raciocínio lógico. Dessa forma, o abusador aproveita dessa fragilidade e mostra novamente o seu arrependimento, porém sem a culpar por suas atitudes. Nos pedidos de desculpas, a vítima se sente culpada e o perdoa, acredita que ele mudará e, assim, dá chance para novamente iniciar o ciclo.
Nesse sentido, Pereira, Camargo e Aoyama (2018) reforçam que, logo após as agressões, o parceiro costuma ser mais afetivo, fazendo com que a vítima o perdoe, permaneça na relação, e consequentemente, o ciclo se mantém. De acordo com os autores citados, o abusador adquire controle sobre sua companheira e, aos poucos, de uma forma bem sutil, começa a mudança de rotina, cria-se uma vigilância, o monitoramento de conversas, da forma de se vestir e com quem sai. Então a mulher se afasta da família, dos amigos, dos hobbies e, em alguns casos, pode até abandonar o emprego, pois nesse momento a vítima está envolvida emocionalmente pelo agressor, fazendo com que as atitudes sejam confundidas como uma forma de carinho, amor e até de acreditar que ataques de raiva sejam uma forma de cuidado. Diante do senso comum, a mulher muitas vezes pode dizer “é o jeito dele” ou “ele foi criado assim” para justificar as atitudes abusivas, não se identificando como vítima.
Segundo Hefferline e Goodman (1997) apud Carvalho (2007), trabalhar com o autoconhecimento pode ser uma tentativa de solução a ser abordada nesse contexto, uma vez que pessoas que se conhecem melhor conseguem lidar com a sociedade, mesmo diante das suas limitações. Ademais, trabalhar com autoestima e sentimento de invisibilidade ou inutilidade pode auxiliá-las na perspectiva de sociabilidade, embora algumas possam ignorar, pois o processo mexe com suas fragilidades, e aprendem a lidar com as frustrações. A partir do momento em que se tem conhecimento das limitações, principalmente das habilidades, surge a capacidade de tomar decisões e fazer escolhas mais assertivas em relação ao bem-estar psíquico, colocando a si mesma em primeiro lugar. Segundo Pérez (2015) apud Cordeiro (2018), a maioria dos agressores não possui registros criminais, caracterizando-se como um cidadão trabalhador ou atencioso para com seus filhos. Dessa forma, são vistos pelas Instituições legais como um improvável culpado, simplesmente por não haver antecedentes criminais ou por estar inserido em uma posição de prestígio na sociedade. Aqui se percebe a existência de um problema macro-social. A falta de compreensão por parte do Estado em relação à violência psicológica, além da persistência da influência patriarcal, têm contribuído para o aumento alarmante de mulheres que não denunciam essas situações, nem conseguem se libertar desse padrão de vida com seus parceiros íntimos. Conclui-se, então, que, para compreender as consequências psicoemocionais de mulheres vítimas de violência psicológica, há a necessidade de um olhar mais profundo, que possa resgatar todos os sentimentos afetados pela violência, tanto física, quanto psicológica. Dessa forma, torna-se evidente a importância de compreender a gravidade das consequências e estratégias para mitigar seus efeitos devastadores.

REFERÊNCIAS
1. CRUZ, Anna Angélica Rodrigues de Oliveira Ramos da. Ataque silencioso: um estudo de autoficções blogueiras sobre o abuso psicológico sofrido por mulheres. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação – Jornalismo) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/17404. Acesso em: 6 maio 2025.
2. VIEIRA, Ana Caroline Alves; NASCIMENTO, Cristiane de Paula do; JORDÃO, Giselda Benedita. A invisibilidade da violência psicológica vivenciada por mulheres vítimas de relacionamento abusivo com parceiro íntimo. 2023. Disponível em: https://revistas.icesp.br/index.php/Real/article/view/5060. Acesso em: 6 maio 2025.
3. RIBEIRO, Renata Benigno. Silenciadas e desacreditadas: o impacto psíquico nas mulheres que revelam violência sexual em meios religiosos. 2023. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/65314/65314.PDF. Acesso em: 6 maio 2025.
4. SILVA, Ana Carolina da. O que é abusivo: uma revisão sobre relacionamentos abusivos. 2023. Disponível em: https://editorapublicar.com.br/ojs/index.php/publicacoes/article/view/670/377. Acesso em: 6 maio 2025.
5. PESSOA, Luciana Fontes; SILVA, Lúcia Helena da. Gaslighting em relacionamentos abusivos: uma análise crítica. 2023. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&q=gaslighting+relacionamento+abusivo&oq=gaslighting+relac#d=gs_qabs&t=1745076938252&u=%23p%3D_PonvlGxoXUJ. Acesso em: 6 maio 2025.
Por Isabelle Cardia
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