POR UMA AFIRMAÇÃO DA TRISTEZA
- Sessão de Psi
- 28 de abr.
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Freud (1916), num precioso texto sobre “A transitoriedade”, narra que, durante um passeio por uma rica paisagem num dia de verão, na companhia de um amigo e de um jovem poeta, apreciavam a beleza do cenário que os rodeava. No entanto, o poeta não se alegrava com ela. Era inundado pelo pensamento de que toda aquela beleza estava condenada a se acabar, pois, no inverno, ela iria desaparecer, assim como a beleza do mundo e toda a beleza humana já criada ou que ainda pudesse ser criada. Ou seja, tudo o que o poeta amava e admirava era despido de valor pela transitoriedade que marca o destino das coisas. Era uma espécie de revolta contra o que se desfaz, com a finitude. Imediatamente, Freud contesta a visão do jovem poeta pessimista, que imputa um desvalor à transitoriedade do que é belo.
Adverte ele: “pelo contrário, significa maior valorização! Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo”. Isto é, o limite que comparece ao deleite, é o que aumenta sua preciosidade.
Guardadas as especificidades desse texto freudiano – e outros tópicos possíveis e importantes de serem sublinhados nele – reflito aqui sobre o valor da transitoriedade que o autor defende, especialmente na sua interlocução com a tristeza. Pode ser triste reconhecer a transitoriedade da vida. Transitório é algo passageiro, que tem uma duração limitada, algo mortal (ao contrário da ilusão da imortalidade e eternidade que tantas vezes consideramos em nosso imaginário!). Pensar na transitoriedade é pensar em encerramentos, em impermanência. E é justamente o que pode acabar – e a tristeza nos lembra disso o tempo todo – que nos marca, nos transforma, nos conecta.
Ora, mas que espaço tem a tristeza hoje no contemporâneo? Como ela tem sido expressa e, com isso, afirmada?
É importante refletir sobre o pensamento vigente no contemporâneo, uma vez que o que se impõe ao sujeito é a constante lógica do pensamento positivo e da superação. Há um apelo aos excessos, à euforia, ao gozo e a busca incessante pela felicidade. A alegria me parece um afeto que corresponde à agitação, à euforia; ela nos inclina à ação. É sempre um afeto que faz a gente ficar em estado de querer mais; nos possibilita a ficção, permite criar e construir mundos, imaginações, fantasias – que muitas vezes nos distancia da realidade.

Por outro lado, a tristeza abre um espaço que exige ser vivido em sua profundidade. Trata-se de um afeto que traz reconhecimento; alguma aceitação se apresenta, nos faz parar e olhar de frente para a realidade. É, ao mesmo tempo, alarme e caminho. E se tirarmos esse sinal, esse aviso, o que poderá nos alertar de que algo em nós está fora do lugar? Ela contém um elemento protetivo: a tristeza nos protege (quando bem vivida), nos poupa de sermos indiferentes, nos torna humanos. Que alívio termos a capacidade de nos entristecermos ao percebermos que não somos completos! E, com isso, a tristeza nos encarrega de desfazer um grande engano que construímos ilusoriamente. Somos furados, temos lacunas. Sem lacuna, não há espaço – só excesso (como na alegria). Nossa criação depende de espaço e também de lamento, de tristeza. Num movimento constante de completude e euforia, nada seria construído.
A expressão da tristeza nunca é por acaso. Há tristezas, no plural, pintadas com tonalidades distintas. Algumas previsíveis, outras intensas demais, às vezes desproporcionais, deslocadas no tempo e no espaço, sem causa aparente, ilógicas. Mas, de uma forma ou de outra, elas estão sempre ligadas ao viver. Seja em sua dimensão real, seja imaginária, seja no mundo externo ou na vida psíquica – viver produz tristeza.
Como apontado por Di Loreto (1997) “(...) reconhecendo que o homem é trágico pela sua própria natureza, e frente a invasão indiscriminada dos exércitos de comprimidos, não me resta outra atitude que a de sair em defesa do meu direito de ser triste”.
Reconhecer o valor da tristeza é entendê-la como parte de uma conquista da capacidade integrativa, parte de um processo criativo. Tal como entendemos na canção “Samba da Benção”, de Vinicius de Moraes: “É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração... Mas pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza (...)”. Novamente, assim como Freud indicou, há beleza justamente naquilo que que acaba – e isso pode ser triste. Isto é, entre alegria e tristeza, se trama em nossa vida alguma beleza.
Nesse sentido, é válido reconhecer a importância das emoções em cada uma de suas complexidades e amálgamas. A vida é feita de tristezas, mas também de ambivalências. A psicanalista Ana Suy pontuou: “não há tristeza que seja feita sem alegria e nem há alegria que se constitua sem alguma tristeza”. Até porque a tristeza também é transitória, é movimento – como continua Vinícius na canção: “porque o samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança, de um dia não ser mais triste não”. Mas aqui, nesse exercício reflexivo, reforço, tal como Di Loreto (1997) que sai em defesa do direito dele de ser triste, a necessidade nos tempos de hoje de uma afirmação da tristeza!
Por Vitor Ramos
CRP 06/149076
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