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Análise junguiana da música: Sapato 36 – Raul Seixas

  • Foto do escritor: Sessão de Psi
    Sessão de Psi
  • 23 de set.
  • 4 min de leitura

Há algumas semanas assisti a uma série biográfica da Globoplay, RAUL: Eu Sou (2025), com atuação e direção impecáveis. Já gostava muito das músicas do Raul, mas após assistir à série fiquei ainda mais “viciada” em sua obra. A discografia de Raul é imensa e ele foi um artista incrível, completo e atemporal — afinal, até hoje algumas pessoas ainda gritam “toca Raul” em festas e shows. Ouvindo sua discografia, deparei-me com uma canção que até então me era desconhecida, mas que achei repleta de símbolos e bastante profunda. Devido à sua simbologia, resolvi fazer esta breve análise à luz da psicologia profunda de Carl Jung. Segue a letra da música, e, em seguida, a análise:



Capa do álbum solo Gita (1974)
Capa do álbum solo Gita (1974)

Eu calço é 37

Meu pai me dá 36

Dói, mas no dia seguinte

Aperto meu pé outra vez

Eu aperto meu pé outra vez


Pai, eu já tô crescidinho

Pague pra ver, que eu aposto

Vou escolher meu sapato

E andar do jeito que eu gosto

E andar do jeito que eu gosto


Por que cargas d'águas você acha que tem o direito?

De afogar tudo aquilo que eu sinto em meu peito

Você só vai ter o respeito que quer na realidade

No dia em que você souber respeitar a minha vontade


Meu pai, meu pai


Pai, já tô indo-me embora

Quero partir sem brigar

Pois eu já escolhi meu sapato

Que não vai mais me apertar

Que não vai mais me apertar


Por que cargas d'águas você acha que tem o direito?

De afogar tudo aquilo que eu sinto em meu peito

Você só vai ter o respeito que quer na realidade

No dia em que você souber respeitar a minha vontade


Meu pai, meu pai


Pai, já tô indo-me embora

Eu quero partir sem brigar

Já escolhi meu sapato

Que não vai mais me apertar

Que não vai mais me apertar

Que não vai mais me apertar


Para contextualizar: a canção faz parte do álbum Gita (1974), um dos mais icônicos da carreira de Raul. Escrita em um período de censura e ditadura no Brasil, muitas letras usavam metáforas para driblar a repressão e discutir liberdade, autenticidade e crítica social.

O “sapato 36” simboliza o padrão imposto pela sociedade: um tamanho fixo que todos deveriam calçar, mesmo que seus pés fossem diferentes. Raul denuncia como as pessoas são empurradas a se enquadrar em modelos rígidos — crenças, comportamentos, papéis sociais — que sufocam a individualidade. Pensando sobre o período em que foi escrita, durante a Ditadura Empresarial-Militar, o “pai” colocado na música pode também simbolizar os militares e a opressão vivida na época. Mesmo não servindo, a população brasileira era forçada a calçar um sapato apertado.

Quando Raul Seixas lançou Sapato 36, não estava apenas falando de um número de calçado. A música é uma metáfora poderosa sobre o quanto tentamos — ou somos forçados — a caber em moldes que não foram feitos para nós. E, vista pela lente da psicologia analítica de Carl Gustav Jung, ela ganha ainda mais profundidade. Na linguagem simbólica, o sapato pode ser visto como aquilo que sustenta nosso caminhar no mundo, a ponte entre quem somos e o chão da realidade. Mas e quando o sapato aperta? Quando a forma externa sufoca a vida interior? É aí que Raul brinca, denunciando a tentativa de encaixar todo mundo no mesmo “número” — e, também, com esse pai, que pode ser visto como a tradição e os valores conservadores, insistindo em “dar um calçado de número menor”.

O “sapato 36” pode ser lido como símbolo do inconsciente coletivo — aquilo que se apresenta como padrão, forma, papel ou norma social. Para Jung, a máscara social (persona) que usamos para nos apresentar ao mundo é de extrema importância para a nossa psique, mas pode se tornar uma prisão quando não dialoga com o que temos de mais verdadeiro dentro de nós, e que muitas vezes permanece inconsciente.

Por trás do humor, existe um convite sério: buscar o sapato que realmente serve, aquele que respeita o formato único do nosso pé psíquico. Só assim conseguimos caminhar, como diria Jung, em direção ao nosso processo de individuação — tornar-nos quem realmente somos, integrando nossas sombras e talentos, e encontrando um jeito próprio de andar pela vida.

Assim, Sapato 36 continua atual porque nos faz perguntar: quantas vezes aceitamos calçar algo que nos machuca, apenas para pertencer? E quantas vezes temos coragem de assumir o número que realmente calçamos — para, como Raul, andar do jeito que gostamos? Raul, com sua ousadia bem-humorada, nos lembra que autenticidade é um ato de liberdade — e que ninguém precisa viver espremido em sapatos que não cabem no próprio ser.

Essa música abre espaço para várias discussões e interpretações. Esta é apenas uma análise breve e simples, com alguns questionamentos que já fiz e ainda faço no meu processo de individuação. Por isso também quis compartilhar um pouco sobre eles. Espero que gostem das dicas de música e da série!


Por Maria Elisa Achitti

CRP 06.156745

 
 
 

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Elaborado por Sessão de Psi 2023

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